UMA HISTÓRIA SOBRE LÁGRIMAS
- Luis Cavalcante
- 2 de abr. de 2022
- 4 min de leitura
TACITULUS TAXIM - Em silêncio e devagar
Certo dia, logo após a criação da Terra, o Criador convocou os anjos a que confiara a guarda e administração dos negócios terrestres, os quais lhe deviam apresentar relatórios precisos, acerca dos vários departamentos de suas responsabilidades individuais. O Senhor recebeu-os com a Sua bênção, e, diante da atenção respeitosa de todos, falou o anjo das luzes:
– Senhor, todas claridades que criastes para a Terra continuam refletindo as bênçãos de Vossa misericórdia. O sol ilumina os dias terrenos com os resplendores divinos, vitalizando todas as coisas da natureza e repartindo com elas o seu calor e sua energia. Nos crepúsculos, o firmamento recita poemas de estrelas e as noites são clarificadas pelos divinos raios tênues e puros.
Nas paisagens terrestres, todas as luzes evocam o Vosso poder e a Vossa misericórdia, enchendo a vida das criaturas de claridades benditas. Deus abençoou o anjo das luzes, concedendo-lhe a faculdade de multiplicá-las na face do mundo.
Depois, veio o anjo da terra e das águas, exclamando com alegria: – Senhor, sobre o mundo que criastes, a terra continua alimentando fartamente todas as criaturas; todos os reinos da natureza retiram dela os tesouros sagrados da vida, e todas as águas, que parecem constituir o sangue bendito da Vossa obra terrena, circulam no seu seio imenso. Os mares falam com violência, afirmando o Vosso poder soberano, e os riachos macios dizem, nos bosques, da Vossa piedade e brandura. As terras e as águas do mundo são plenas afirmações de Vossa magnífica complacência. E o Criador agradeceu as palavras do servidor fiel, abençoando-lhe
todos os trabalhos.
Em seguida, falou radiante, o anjo das árvores e das flores: – Senhor, a missão que concedestes aos vegetais da Terra vem sendo cumprida com sublime dedicação. As árvores oferecem sua sombra, frutos e utilidades a todas as criaturas, como braços misericordiosos do Vosso amor paternal, estendidos sobre o solo do planeta. Quando maltratadas, sabem
ocultar suas angústias, prestando sempre, com abnegação e nobreza, o concurso da Sua bondade à existência dos homens. Algumas, como o sândalo, quando dilaceradas, deixam extravasar de suas feridas taças invisíveis de aroma, balsamizando o ambiente em que nasceram.
E as flores, meu Pai, são piedosas demonstrações das imensas belezas celestiais presentes nos tapetes verdes da Terra inteira. Seus perfumes falam, em todos os momentos, da Vossa magnanimidade e sabedoria. E o Senhor abençoou o servo fiel, facultando-lhe o poder de multiplicar a beleza e as utilidades das árvores e das flores terrestres. Logo após, falou o anjo dos animais, apresentando a Deus o relato sincero, a respeito da vida dos seus subordinados: – Os animais terrestres Senhor, sabem respeitar todas as Vossas leis, acatar a Vossa vontade. Todos vivem em harmonia com as disposições naturais da existência que a Vossa sabedoria lhes traçou.
Jamais abusam de suas faculdades procriadoras e têm uma época própria para o desempenho dessas funções, consoante os Vossos desejos. Todos têm a sua missão a cumprir e alguns deles se colocaram, abnegadamente, ao lado do homem, para substituí-lo nos mais penosos e longos ofícios, ajudando-o a conservar a saúde e a buscar no trabalho o pão de cada dia. As aves são turíbulos alados, incensando, do altar da natureza terrestre, o Vosso trono celestial, cantando as Vossas grandezas ilimitadas.
Elas se revezam, constantemente, para vos prestarem essa singela e bela homenagem de submissão e amor, e, enquanto algumas cantam durante as horas do dia, outras se reservam para as horas da noite, de modo a glorificarem incessantemente as maravilhas admiráveis da Criação, louvando-se a sabedoria do seu Autor inimitável. E Deus, com um sorriso de júbilo paternal, derramou sobre o dedicado mensageiro as vibrações do seu divino agradecimento. Foi quando, então, chegou a vez da palavra do anjo dos homens. Taciturno e entre angústias, provocando a admiração dos demais, pela sua consternação e pela sua tristeza, exclamou compungidamente: – Senhor!... ai de mim! Enquanto meus companheiros vos podem falar da grandeza com que são executados os Vossos decretos na face do mundo, pelos outros elementos da criação, infelizmente, não posso afirmar o mesmo dos homens.
A descendência divina do homem se perde num labirinto de lutas criado por ele mesmo. Dentro das possibilidades do seu livre-arbítrio, é engenhoso e sutil, a inventar todos os motivos para a sua perdição. Os homens já criaram toda a sorte de dificuldades, desvios e confusões para a sua vida na Terra. Inventaram ali, a chamada propriedade sobre os bens que vos pertencem inteiramente, e todos dão curso a uma vida abominável de egoísmo e ambição pelo domínio e pela posse; toda a Terra está dividida indebitamente, e as criaturas humanas se entregam à tarefa absurda da total destruição das Vossas leis eternas. Segundo o que observo em todo o mundo, não tardará o dia em que surjam movimentos homicidas entre as criaturas, tal a extensão de todas as ânsias incontidas de conquistar, possuir e ostentar. 440 Um sonho que não tem fim O anjo dos homens, todavia, não conseguiu continuar o seu relatório. Convulsivos soluços embargaram-lhe a voz; mas o Senhor, embora amargurado e entristecido, desceu generosamente até o anjo e, tomando-lhe as mãos, exclamou com bondade: – Os homens ainda se lembram de mim? – Não Senhor! Desgraçadamente, os homens vos esqueceram - murmurou o anjo com amargura. – Pois bem - replicou o Senhor paternalmente - toda essa situação será remediada. E, alçando as mãos generosas, fez nascer, ali mesmo no céu, um pequeno curso de águas cristalinas e, enchendo um cântaro com essas pérolas liquefeitas, entregou-o ao seu último servidor, exclamando: – Volta à Terra e derrama no coração de seus filhos este licor celeste, a que chamarás água das lágrimas.
Seu gosto tem ressaibos de fel, mas esse elemento terá a propriedade de fazer com que os homens me recordem, lembrando-se da Minha misericórdia paternal. Se eles sofrem e se desesperam pela posse efêmera das coisas atinentes à vida terrestre, é por que Me esqueceram, olvidando a sua origem divina. E desde esse dia o anjo dos homens derrama na alma atormentada e aflita da humanidade a água bendita das lágrimas remissoras; e desde essa hora, cada criatura humana, no momento dos seus prantos e suas amarguras, nas dificuldades e nos espinhos do mundo, recorda, instintivamente, a paternidade de Deus e as alvoradas divinas de uma vida amorosa e fraterna.
“A natureza é sábia e justa. O vento sacode as árvores, move os galhos, para que todas as folhas tenham o seu momento de ver o sol.”
Humberto de Campos
Comentários